Já faz alguns anos que o Leandro e eu comentamos sobre fazer a travessia da Serra Fina em apenas 1 dia. O tempo foi passando, fomos amadurecendo a ideia, fui recuperando o condicionamento físico e principalmente psicológico e, aproveitando dois dias de folga do Leandro, essa semana pegamos estrada para colocar o plano em prática.
Depois de nos encontrarmos na 90 graus na 2ª feira, apenas para bater o martelo e conversar sobre o que levar, no começo da noite de 3ª feira busquei o Leandro no aeroporto e pegamos estrada. A viagem foi tranquila com pausa para jantar no "restaurante comandante" (prática comum) e, por volta das 22h30, estacionávamos o carro no bosque da estrada que leva à Toca do Lobo, no final onde é possível chegar de carro (agora o trecho final tem uma erosão gigante e acho que nem 4x4 passa mais).
Chegando lá colocamos o carro em um lugar plano, acabamos de preparar as coisas para a manhã seguinte e logo estávamos deitando no porta-malas para uma boa, mas curta, noite de sono.
Na 4ª feira, dia 23 de Setembro, o despertador tocou às 5h10, enrolamos uns poucos minutos e, com o céu começando a clarear, fizemos nosso café da manhã, colocamos as mochilas nas costas e, às 5h51, começamos a caminhada.
Saindo do carro antes da Toca do Lobo
Com a chegada da Primavera e, com ela, dias mais longos, na hora que começamos a caminhar já estava bem claro (inclusive devíamos ter saído antes). Fomos seguindo a estrada de terra, já ganhando altitude e, cerca de 20 minutos e 1,5 km depois, estávamos na Toca do Lobo, local onde oficialmente começa a trilha da travessia e primeiro ponto de água, onde aproveitamos para preencher nossos reservatórios.
De lá, a trilha começa com uma boa pirambeira, até alcançar a crista da serra, de onde podíamos ver o Sol alcançando o cume de algumas montanhas, entre elas, bem próximo de nós, o Pico da Gomeira, para o qual eu abri uma nova trilha, a partir da Garganta do Embaú, no começo do mês.
Continuamos a árdua subida em um bom ritmo, mas sem deixar de fazer algumas pausas para fotografias. Ao meu ver, a subida do Alto do Capim Amarelo é o "crux" (lance mais difícil nos termos da escalada) da travessia, com um longo e inclinado desnível de mais de 1000 m logo no começo do dia. Mesmo assim, aproveitando o frescor da manhã, subimos em um ritmo muito bom e, 2h20 depois da saída do carro, estávamos nos 2500 m de altitude de seu cume.
Cume do Alto do Capim Amarelo
No cume uma pausa um pouco mais longa para fotos, vídeo e, principalmente, descanso antes de encarar a continuação, que segue uma outra pirambeira, só que agora para baixo.
Fomos descendo a trilha, tomando cuidado para não nos perder logo na saída do cume (lá tem algumas trilhas falsas que enganam) e logo estávamos no colo seguindo rumo ao Morro do Melano, um complexo com diversos cumes que antecede a Pedra da Mina e com um visual espetacular para todos os lados.
A caminho da Pedra da Mina
Durante a caminhada sempre ficávamos de olho no relógio e fazíamos breves pausas para alimentação mais regulares, evitando assim esgotar o corpo durante a caminhada. Com a chegada na base da Pedra da Mina, em um dos riachos que a rodeia, fizemos uma pausa um pouco mais longa, trocamos a água dos camel por uma nova mais gelada e refrescante e então saímos rumo à subida final da montanha.
Água na base da Pedra da Mina
Subida final da Pedra da Mina
A subida final da Pedra da Mina é bem inclinada, mas ainda tínhamos bastante energia e estávamos empolgado com o tempo que tínhamos levado até lá, o que fez com que não demorássemos muito tempo até alcançar os seus 2798 m de altitude 5h57 depois de iniciarmos a caminhada.
Cume da Pedra da Mina
No cume, com uma visão 360º espetacular das montanhas ao nosso redor (nunca tinha pego a atmosfera tão limpa), mais uma pausa para lanche, água, fotos, vídeos, assinar o seu livro de cume e então, mais uma vez, seguimos nosso caminho, que ainda seria bem longo. Até esse trecho tínhamos percorrido aproximadamente 1/3 da quilometragem da travessia e metade do desnível total.
Atravessando o cume da Pedra da Mina
Mesmo fazendo várias pausas para fotos seguimos nosso caminho e logo estávamos novamente na base da Pedra da Mina, só que agora do seu lado oposto, no Vale do Ruah. Neste labirinto de Capim Elefante tomamos cuidado para não sair de uma boa trilha que encontramos e fomos seguindo, em um bom ritmo, até atravessá-lo e pararmos, por volta das 13h, no último ponto de água, onde completamos nossos reservatórios antes de sair crista acima.
Última água no vale do Ruah
A essa hora o cansaço já começava a pegar mais forte mas, mesmo assim, seguíamos em um bom ritmo, chegando por volta das 14h40 no Cupim de Boi, onde fizemos mais uma boa pausa para comer e descansar antes de encarar a última subida mais inclinada do dia, a que leva ao cume do Pico dos 3 Estados.
Cume do Cupim de Boi
Do alto dos 2542 m do Cupim de Boi descemos bastante até o colo e logo seguimos para cima, pela trilha inclinada dos 3 Estados. Apesar de lembrar como essa subida era cansativa, não nos abatemos, abaixamos a cabeça e fomos subindo, chegando ao cume perto das 15h50 praticamente sem parar, em um ritmo mais lento só que constante.
Cume do Pico dos 3 Estados
Depois de mais uma pausa e com uma espetacular vista para Itatiaia e do caminho que tínhamos passado (o que rendeu mais fotos e vídeos) seguimos nosso caminho, novamente para baixo, até chegar na última (finalmente) subida do dia, a que nos levou ao topo do cume Leste do Alto dos Ivos. Chegamos ao seu cume já com as últimas luzes do dia, por volta das 17h20, e notadamente cansados.
Vista do cume do Pico dos 3 Estados
Sabendo que ainda faltava um bom trecho seguimos nosso caminho, agora descendo cada vez mais, ora passando por trechos mais fechados, ora por trechos mais abertos. Com a descida íamos notando também a mudança na vegetação, que deixava de ser campo de altitude para ser uma mata mais verde e fechada.
Cume Leste do Alto dos Ivos
Com o final da luz fizemos mais uma pausa para pegar as headlamps, nos alimentar e novamente voltamos a caminhar, sempre para baixo e desligando o cérebro, só deixando as pernas se moverem e indo andando, andando, andando até que chegamos ao final da trilha mais fechada, onde há a bifurcação que, para esquerda, nos levaria ao Sítio do Pierre (saída tradicional) ou, para a direita, em um caminho que eu ainda não conhecia, nos levaria direto à Garganta do Registro. Como não podia deixar de ser, fomos pelo desconhecido.
Apesar de seguirmos uma antiga estrada, a trilha não é muito aberta, atravessando alguns trechos com mais mato, o que atrapalhava um pouco a progressão. Fomos seguindo, estranhando que estávamos ganhando um pouco de altitude (ainda estávamos acima dos 2000 metros), fizemos só uma pausa rápida em um dos pontos de água que passamos e então, depois de pelo menos 1 h nessa "estrada", chegamos a um mirante de onde podíamos ver, bem abaixo de nós, a nossa meta do dia (a uns 300 m de desnível abaixo).
De lá, a trilha seguiu pela "trilha das bromélias", uma trilha bem inclinada que nos levou até o Hotel São Gotardo. Mais alguns minutos de caminhada, finalmente atravessávamos o portão e saíamos na Garganta do Registro, bem cansados mas realizados, 14h38 depois de iniciarmos a caminhada. Ao total percorremos 31,6 km com um desnível acumulado de 3051 m de subida e 2886 m de descida.
Final da travessia da Serra Fina na Garganta do Registro
Ainda, para completar a travessia, a Patrícia, com quem eu tinha combinado o resgate, não estava lá. Com as banquinhas fechadas fomos então até a lanchonete para comer e beber água enquanto tentávamos ligar para ela e falar onde estávamos (eu já suspeitava que ela poderia estar na saída do Sítio do Pierre, onde as pessoas costumam sair da travessia). Sem conseguir contato e com a noite avançando, o jeito foi conseguir uma carona em um caminhão que nos levaria até Itamonte, de onde veríamos o que fazer para chegar onde havíamos deixado o carro. Entretanto, na descida, ao chegar a área na saída do Sítio do Pierre, vi um Uno, que provavelmente seria dela e, como caminhão parando para checarmos, vimos que realmente era!
Mesmo estando puto da vida (principalmente pelo cansaço - já eram quase 22h), dava pra entender que não é muito comum alguém sair da travessia na Garganta e, naquela hora, o importante era termos nos encontrado e, com isso, nosso retorno para o carro estava garantido.
Com tudo resolvido seguimos nosso caminho e, perto das 23h, a Patrícia nos deixava no carro, de onde seguimos para a estrada para um merecido jantar de resto de comida em um restaurante antes de descermos a serra para nos hospedar em Cruzeiro
Leandro e eu no final da travessia
Inclusive, quem precisar de transporte na Serra Fina e região, acesse o perfil no FB da Patrícia e entre em contato com ela - não esqueça de dizer que achou o contato comigo. Mesmo com o desencontro, não a culpo e ela cumpriu bem o tratado (e agora vai ficar mais esperta quando alguém falar que vai sair na Garganta e não no Pierre :-P).
No dia seguinte, depois de uma boa noite de sono em uma cama, acordamos, tomamos nosso café da manhã, demos uma andada pelo centro de Cruzeiro e então seguimos nosso caminho, parando na Dutra para almoço e depois na Dutra Máquinas, já em São Paulo, para olhar ferramentas (o Leandro só conhecia o site, não a loja física).
De lá, na metade da tarde deixei o Leandro em sua casa e logo depois chegava na minha, destruído de cansaço mas realizado de ter feito a Serra Fina em apenas um dia.
E essa travessia praticamente fecha a temporada 2015 de montanhismo (e com estilo). Essa foi, com certeza, uma das caminhadas mais difíceis que fiz e foi a mais longa com maior desnível em apenas um dia. É a típica caminhada onde você percebe que "chutou" seus limites e zona de conforto um pouco mais para longe, te deixando pronto para planejar e encarar "roubadas" maiores! Valeu pela parceria Leandro!
Playlist com todos os vídeos da travessia
Algumas das muitas fotos feitas durante este longo e cansativo dia podem ser vistas aqui no meu site no link Travessia Serra Fina em um dia.
- enviado por Tacio Philip às 18:10:53 de 25/09/2015.