Após quase 20 anos de
experiência em montanhismo e escalada, tendo já subido uma centena de montanhas e outras centenas de vias de escalada, senti-me qualificado para poder oferecer, como presente de aniversário para a Lorena, os meus serviços de guia de montanha nas longínquas e isoladas montanhas rochosas em Monte Verde, o qual é um dos primeiros complexos rochosos de altitude ao Sul da grande Serra da Mantiqueira.
Sendo assim, após o nosso café da manhã reforçado, na manhã daquele Sábado quente e ensolarado, dia 4 de fevereiro de 2017, separamos nossa alimentação para a caminhada, nossos anoraks para proteção das possíveis intempéries climáticas, headlamp para emergência e garrafas de água para hidratação, colocamos tudo na mochila, a mochila dentro do carro, nós também nos colocamos dentro do carro e seguimos estrada, desde Bragança Paulista, no estado de São Paulo, seguindo pela tão famosa e perigosa BR-381, a "Fernão Dias", até o estado de Minas Gerais, destino: Monte Verde.
Apesar de longos 80 km de estrada a viagem correu bem. No caminho atravessamos a divisa de estado SP-MG sem nenhuma ocorrência grave e, depois de atravessar próximos ao centro da cidade de Camanducaia, nosso último ponto em uma grande cidade, seguimos os outros quilômetros que nos levaram serra acima até o pequeno povoado de Monte Verde, que consiste basicamente em apenas uma rua com comércio e já localizado a mais de 1500 m de altitude no sopé daquela porção Sul da Serra da Mantiqueira.
Em Monte Verde, como não precisávamos adquirir nenhum suprimento, seguimos direto por uma de suas esburacadas estradas de terra, sempre seguindo serra acima, até o ponto onde tivemos que abandonar o carro, colocar a mochila nas costas e iniciar a caminhada, isso já próximo das 9h30 da manhã.
Iniciamos a caminhada com um clima agradável, o Sol não nos agredia com sua força de verão devido às árvores que fechavam a trilha sobre nossas cabeças assim como algumas nuvens, que ora sim, ora não, encobertavam sua força e diminuía ser calor sobre nós. Logo no início cruzamos por outras pessoas em sentido contrário que, provavelmente, desciam por não querer se arriscar a subir as montanhas com aquelas condições, mas nós analisamos todos prós e contras e decidimos prosseguir.
Algum tempo se passou, a cada minuto ganhávamos mais altitude e logo chegamos ao famoso "platô", local até onde a maioria dos expedicionários costuma ir, mas nós queríamos mais. Olhamos o relógio no GPS e, como ainda havia tempo, seguimos então pela crista da Serra em direção Norte, visando alcançar o maior número de montanhas possíveis nesta expedição, e assim o fizemos. Foi nessa hora que, logo que saímos do platô e adentramos à trilha na mata fechada, passamos por três e, logo mais adiante, mais um cavalo selvagem que provavelmente habitam aquela mata à beira dos cumes rochosos.
Durante nossa ida, aproveitando o clima ainda favorável, passamos ao lado do cume conhecido localmente por "Chapéu de Bispo", devido sua formação rochosa singular e vertical, e seguimos então até o "final" dessa trilha que atravessa a crista da serra, saindo em um outro ponto, de mais fácil acesso por veículos, onde havia mais exploradores desbravando suas trilhas.
De lá, por uma trilha mais movimentada e dotada de algumas construções, como algumas escadas precárias mas funcionais de madeira para facilitar em alguns trechos expostos de escalada, fomos seguindo até a bifurcação que leva à já próxima "Pedra Redonda", que possui esse nome devido seu formato, em uma das faces, que lembra um sólido geométrico ovóide e, mais adiante, em um acesso menos frequentado, a trilha que levaria até a "Pedra Partida", mais distante, e que ganhou este curioso nome devido, ao ser vista do povoado de Monte Verde, apresentar uma grande rachadura que a divide em mais de uma rocha.
Com o tempo passando e já sozinhos na trilha fomos seguindo, sendo depois de algum tempo acompanhados por um cachorro, talvez fosse uma mistura de espécies de lobos selvagens, até que chegamos, após quase infindáveis 2 horas de caminhada, ao pequeno cume rochoso da famosa "Pedra Partida", a 2039 m de altitude sobre o nível do mar.
Sentindo o cansaço após esse longo percurso e, sabendo que havia uma longa volta a nos esperar, fizemos uma boa pausa para lanche, descansamos uns minutos, para o lado Norte da Serra víamos a "Pedra da Onça", local que ficou em nossa lista para uma futura expedição exploratória, para o Leste o vale, a 1500 m abaixo de nós, onde estão as cidades de Taubaté e São José dos Campos e, ao Sul, a crista por onde havíamos vindo, passando pelo Platô, Chapéu de Bispo, Redonda, com, bem ao fundo, a Pedra Selada, ponto mais alto deste trecho de serra.
Vendo uma tempestade se aproximar pelo Sudoeste acabamos de nos alimentar, fiz umas últimas fotos e então seguimos nosso caminho, pela mesma trilha que havíamos percorrido para até lá chegar. Chegando, mais uma vez, à bifurcação da Pedra Redonda, decidimos também escalar até seu cume, a 1943 m de altitude, onde encontramos outros exploradores mas onde não ficamos por muito tempo já que, ao fundo, para o Sul, de onde havíamos vindo e para onde devíamos voltar, as nuvens de tempestade se mostravam cada vez mais perigosas e próximas, nesse momento víamos que provavelmente seria difícil escapar da tempestade.
Sem perder tempo fomos seguindo nosso caminho de volta, passamos novamente pelo ponto onde víamos diversos veículos 4x4, de empresas locais, que provavelmente haviam levado exploradores até aquele ponto (quem sabe alguns dos que encontramos no cume da Pedra Redonda - espero que tenham percebido a tempestade se aproximando) e seguimos novamente mata adentro, pela trilha, que nos levou até a base da Pedra Chapéu de Bispo.
Lá, próximos à base, encontramos um casal que chegou a nos perguntar para onde seguia aquela trilha mas, como provavelmente não estavam preparados, não seguiram adiante e logo voltaram pela trilha mais curta até o ponto onde é possível um resgate por alguma empresa do povoado.
Neste momento a Lorena e eu começávamos a sentir algumas gotas de chuva caindo sobre nós mas, como ainda estava fraca, demos então a volta na Pedra e logo começamos o seu trecho de escalada final, subindo por algumas íngremes faces de granito rochoso, em alguns trechos facilitado por alguns vergalhões de aço chumbados na rocha, até que atingimos o seu cume, com a chuva começando a aumentar de intensidade, o que aumentaria, em muito, o perigo que corríamos para desescalar aquele exposto trecho rochoso final.
No cume não ficamos nem 30 segundos. Chegamos, marquei o ponto no GPS, observando os 1953 m de altitude que o aparelho indicava e começamos a descer, com muita cautela pelo fato da rocha ficar mais molhada e, com isso, mais escorregadia, a cada gota de chuva que descia das nuvens até ela.
Felizmente não houve nenhum imprevisto durante aquela estressante descida e logo estávamos novamente, em "terra firme", podendo seguir por trilha, sentido Sul, para o ponto de onde havíamos vindo. Foi neste momento que fizemos ainda mais uma pausa, mas sem perder muito tempo, para vestir nossos anoraks e tentarmos nos proteger da chuva que aumentava a cada segundo, começando a nos deixar molhados com toda aquela água vinda do céu que, além de nos molhar diretamente, nos molhava também quando encostávamos na molhada vegetação da mata que nos cercava.
Fomos seguindo a trilha, logo chegamos ao Platô, a cerca de 1930 m de altitude e, ao fundo, víamos a Pedra Selada, ponto mais alto daquele trecho de serra e que era uma das nossas metas do dia. Digo era porque, com a chuva sobre nós ameaçando se tornar uma tempestade, o prudente foi abandonar o projeto inicial e partir em retirada para um local mais seguro, sem nos arriscarmos indo até mais um outro cume, que felizmente pode nos esperar para uma próxima investida.
Sentindo aquele nó na gargante a aperto no coração por ter que abandonar uma tão planejada expedição sem completa-la, mas com a consciência que era o mais sensato a fazer visto as condições climáticas instáveis da região que só se mostravam piorar, iniciamos então o caminho de descida que, após algum tempo, nos levou de volta, já às 14 h, ao ponto onde havíamos abandonado o carro. Molhados, mas agora sim, seguros.
De volta ao carro, mesmo com a estrada de terra agora molhada, não tivemos problemas para descer até o povoado de Monte Verde, demos uma volta exploratória de carro para um trecho que eu ainda não conhecia, voltamos ao centro, estacionamos e fomos então, meio que em vão, procurar alguma opção acessível para nos alimentar. A essa hora, tendo apenas nos alimentado com nossas provisões de caminhada (e tendo elas acabado), devido ao desgaste físico da expedição o nosso corpo já pedia descanso e comida.
No povoado passamos por algumas lojinhas e paramos para nos aquecer, em um pequenos bar, com 2 capuccinos quentes (mas não tinham nada de alimento, a vendedora disse que teria que fechar cedo neste dia e por isso tudo tinha acabado). De lá, tendo enganado um pouco a fome voltamos a caminhar, pensamos em parar em uma pastelaria mas, ao ver o cardápio e constatar que um simples pastel de carne custava R$16,00, desistimos e seguimos nosso caminho (provavelmente esse local nem atendesse em língua portuguesa, aparenta mais um desses restaurantes de acesso fechado e super restrito voltado apenas aos "gringos" que vão até o povoado devido à fama de suas montanhas ao redor).
Voltamos a andar pela praticamente única rua de comércio do vilarejo, fomos muito bem atendidos em algumas outras vendas regionais, experimentamos alguns queijos, doces, a Lorena não perdeu a oportunidade de provar algumas pingas locais e eu de comprar em uma daquelas vendas, para ajudar a fomentar o comércio daquele povoado, uma de suas cervejas artesanais feitas na cidade, a qual ainda nem tive a oportunidade de provar. Mas de uma maneira dei minha colaboração, levando comigo algo daquele povoado e que os ajudará a enfrentar as adversidades de viver naquele tão inóspito local.
Nesse mesmo momento a tempestade que havíamos visto longe de nós realmente chegou, fazendo com que tivéssemos que ficar mais algum tempo provando especiarias locais em uma das vendinhas mas, vendo que a chuva não daria trégua tão cedo, nos pusemos novamente a andar e seguimos, tentando às vezes nos proteger sob algum toldo, até chegar de volta ao carro, cansados, molhados e felizes por termos comemorado o pré aniversário da Lorena com uma trilha em montanha.
De lá foi seguir novamente de carro serra abaixo até a cidade de Camanducaia, de volta à civilização e, de lá, pela BR-381, de volta até Bragança Paulista, onde chegamos ao final da tarde, para o merecido banho, alimentação e descanso depois dessa longa expedição aos picos isolados do povoado de Monte Verde.
E algumas das fotos (só fiz enquanto a tempestade não nos atingia) estão disponíveis em Montanhas de Monte Verde.
Obs: este texto é uma "novela" de uma viagem super tranquila para subir umas montanhas ao lado do bairro turístico de Monte Verde (sim, Monte Verde é um bairro de Camanducaia) inspirada em relatos de "expedições" e "trilhas difíceis" encontradas pela internet a fora. Se você conhece essas trilhas de Monte Verde você perceberá a ironia, se não, conheça, são caminhadinhas de poucas horas gostosas, tranquilas e bem bonitas ;-)
- enviado por Tacio Philip às 17:01:41 de 15/02/2017.
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